sexta-feira, 18 de maio de 2007

CALEM-ME A CRIANCINHA QUE NÃO CONSIGO MASTIGAR

Estava Miguel Sousa Tavares na TVI a comentar a nova Lei do Tabaco quando da sua boca saltou esta pérola: o fumo nos restaurantes, que o Governo quer limitar, incomoda muitíssimo menos do que o barulho das crianças - e a estas não há quem lhes corte o pio. Que bela comparação. Afinal, o que é uma nuvenzinha de nicotina ao pé de um miúdo de goela aberta? Vai daí, para justificar a fineza do seu raciocínio, Sousa Tavares avançou para uma confissão pessoal: "Tive a sorte de os meus pais só me levarem a um restaurante quando tinha 13 anos." Há umas décadas, era mais ou menos a idade em que o pai levava o menino ao prostíbulo para perder a virgindade. O Miguel teve uma educação moderna - aos 13 anos, levaram-no pela primeira vez a comer fora.

Senti-me tocado e fiz uma revisão de vida. É que eu sou daqueles que levam os filhos aos restaurantes. Mais do que isso. Sou daquela classe que Miguel Sousa Tavares considerou a mais ameaçadora e aberrante: os que levam "até bebés de carrinho!". A minha filha de três anos já infectou estabelecimentos um pouco por todo o país, e o meu filho de 14 meses babou-se por cima de duas ou três toalhas respeitáveis. É certo que eles não pertencem à categoria CSI (Criancinhas Simplesmente Insuportáveis), já que assim de repente não me parece que tenham por hábito exibir a glote cada vez que comem fora - mas, também, quem é que acredita nas palavras de um pai? E depois, há todo aquele vasto campo de imponderáveis: antes de os termos, estamos certos de que vão ser CEE (Crianças Exemplarmente Educadas), mas depois saltam cá para fora, começam a crescer e percebemos com tristeza que vêm munidos devontade própria, que nem sempre somos capazes de controlar.

O que fazer, então? Mantê-los fechados em casa? Acorrentá-los a uma perna do sofá? É uma hipótese, mas mesmo essa é só para quem pode. Na verdade, do alto da sua burguesia endinheirada, e sem certamente se aperceber disso, Miguel Sousa Tavares produziu o comentário mais snobe do ano. Porque, das duas uma, ou os seus pais estiveram 13 anos sem comer fora, num admirável sacrifício pelo bem-estar do próximo, ou então tinham alguém em casa ou na família para lhes tomar conta dos filhinhos quando saíam para a patuscada. E isso, caro Miguel, não é boa educação - é privilégio de classe. Muita gente leva consigo a prole para um restaurante porque, para além do desejo de estar em família, pura e simplesmente não tem ninguém que cuide dos filhos enquanto palita os dentes. Avós à mão e boas empregadas não calham a todos. A não ser que, em nome do supremo amor às boas maneiras, se faça como os paizinhos da pequena Madeleine: deixá-la em casa a dormir com os irmãos, que é para não incomodar o jantar.

João Miguel Tavares
Jornalista
jmtavares@dn.pt

6 comentários:

Gemma disse...

Gostei

Anónimo disse...

o texto faz todo o sentido, claro, e está muito bem escrito, mas, pergunto, o que pensa JMT da lei do tabaco? é que Sousa Tavares falava em comparação, pelo que percebi, por isso, este texto só deve ser entendido por comparação: os fumadores vão ter de beber e jantar sempre em casa? os fumadores deixarão de ter direito a férias em condomínios e resorts porque não se pode fumar? os fumadores passarão a ser proibidos nos hotéis? Claro que não, é uma questão de dinheiro, de classe, porque quem tiver dinheiro manda fechar um restaurante, cria um bar na casa dos fundos ou compra uma casa no Algarve. O que estará ele a comparar? O que ele está a dizer é que ou não é fumador... é, penso que é apenas isso que ele está a dizer, que não é fumador e que se está nsa tintas para a liberdade individual dos fumadores, da sua saúde, dos seus direitos cívicos (ir a um restaurante é um direito).
Já agora, em relação à Madeleine, o argumento de JMT pode ser forte mas não se coloca porque o resort (uma questão de classe, lá está) tinha serviço permanente de baby-sitting, que eles recusaram. Portanto, um texto, bem escrito, de um dos cronistas que mais gosto, é, apenas, falacioso.

Rui Spranger disse...

Antes de entrar aqui para comentar deparei-me com um problema. Vou comentar a quem?
A pertilha é interessante, Tó e, sem o teu post provavelmente nao teria tido acesso ao texto. Confesso que gostei, mas gostei também do comentário do Filinto, que me parece ter toda a lógica.

Porque é que a Lei do Tabaco nao é tao simples como a Lei do Tabaco da Lituania? Eu volto a repeti-la. Nao se pode fumar em locais públicos fechados até às 22h.
Tao simples e tao natural, nao acham?

Marta Araújo disse...

Não gosto do Miguel Sousa Tavares. Não sou mãe (pelo menos até ao momento). Sou fumadora mas acho que se pode chegar a um ponto de «bem-estar» entre fumadores e não fumadores. Respeito o trabalho do João Miguel Tavares como jornalista mas acho que se perde a razão quando se misturam coisas proibidas (proibidas no meu ponto de vista, claro).

Mas vamos por partes. Não considero o MST um comentador imparcial. Se, e como já defendi neste blog, não podemos pedir total «honestidade» aos políticos quando dão a sua opinião, porque esta está, claramente, inquinada por uma ideologia partidária, a um indivíduo que se intitula como jornalista (sendo certo que já o foi, e quanto a isso não tenho dúvidas nenhumas) o mínimo que se pode pedir é imparcialidade nas suas análises. E eu considero que MST não a tem. Por mais que este comentário, por parte do MST tenha um contexto de fundo comparativo, não tem qualquer sentido. Que a nova lei do tabaco vai incomodar a quem fuma, disso não tenho dúvidas, mas também não ponho reticências a que a lei não conseguirá, assim como acontece a tantas outras, ser integralmente cumprida. Literalmente não entro em pânico porque não acredito na sua concretização.

Em relação às crianças e aos restaurantes há que ter alguma tolerância quando de facto os pequenotes são barulhentos e irrequietos e, acima de tudo, deixar essa preocupação para os paizinhos. Como já disse não sou mãe mas criticar os filhos dos outros é muito fácil. Todos querem, ou tentam, dentro daquilo que sabem e podem, dar a melhor educação aos seus progenitores mas é preciso lembrar que cada criança é única e vai dando sinais da sua personalidade em timigns e em formas diferentes e nem sempre é tão fácil quanto parece controlá-los.

Acho que o João Miguel Tavares perde toda a razão na frase final do seu artigo de opinião, com o caso «da pequena Maddie», não obstante de achar que o artigo, no seu todo, faça sentido. Só que não acredito, mas não acredito mesmo, que nenhuns pais, em pleno estado de sanidade mental e com o mínimo de equilíbrio psicológico, faça alguma coisa para colocar em risco a vida dos seus filhos. E causa-me espécie, muita espécie mesmo, sempre que se julgam os comportamentos que os pais têm em relação aos filhos, sempre que esses juízos de valor não estão dotados de contextualização. Parece-me que não haverá maior dor do que os pais verem, de alguma forma, os filhos sofrer (claro que estou a colocar noutro departamentos os pais com patologias de carácter psicológico).

GRaNel disse...

Confesso que as criancinhas tambem me irritam mas nem por isso pensaria em proibi-las. Sempre que noto que o meu cigarro está a incomodar apago-o...

Bom senso (mais nada)

Anónimo disse...

Pertenço ao clube dos fumadores convictos…consciente dos malefícios do tabaco, blá, blá, blá….
Também sou daquelas pessoas que se irritam, e se sentem profundamente incomodadas com crianças birrentas e barulhentas em espaços públicos…
Pouco tolerante talvez… mas apago o cigarro se algum adulto -pai/mãe -se senta ao meu lado nesses espaços públicos com uma criança pequena… só estranho é que a minha preocupação pelo seu bem estar – da criança – seja mais forte do que nos pais… que não se coíbem de os arrastar, ainda com tenra idade para locais onde ficam expostos a fumos, ambientes viciados, etc…

Provavelmente não compreendi o alcance do artigo, sequer o comentário do MST – embora partilhe da sua irritação quanto a crianças barulhentas que os pais não controlam, nem se esforçam por controlar…

Eu acredito que a nova lei do tabaco, vá efectivamente ser implementada e que vá ter aplicação concreta, só tenho um desejo utópico… que o processo respeite a liberdade individual de cada um, de ser ou não fumador, permitindo a alternativa… como em tudo na vida (ou quase tudo) é uma questão de escolha…