segunda-feira, 23 de maio de 2011

Na próxima sessão...



Na cave do Pinguim, 5ª feira, dia 26, às 22h00.

sábado, 14 de maio de 2011

WASTE LAND

WASTE LAND

Antes de começar a escrever este post, gostaria apenas de dizer o quanto me sinto honrado por ser eu a ter esta tarefa, visto que ainda não me saiu da cabeça o filme que a Alexandra nos trouxe. Assim sendo peço já desculpa se o post for grande.
Como posso eu transmitir o que senti e o que foi visto com o filme Waste Land? Não sei se serei capaz, mas peço que façam um exercício mental e tentem visualizar o que irei escrever em seguida.

São 6 da manhã, toca o despertador, Tião acorda.

Caminha para a cozinha, onde a sua mulher e filha já tomam o pequeno almoço, fala um pouco com ambas enquanto segura na sua mão o livro Código de Da Vinci.

Ao levantar-se da mesa, dá um beijo na testa da filha e sussurra ao ouvido “Tens de ler livros para seres psicóloga, sabias?” ela com um sorriso de quem tem 6 anos acena com a cabeça, enquanto segura na sua Barbie, penteando-lhe o cabelo.

Ao mesmo tempo Magna, colega de trabalho de Tião, caminha pelas ruas, em direcção ao trabalho, olha para o lado vê uma criança a correr e a bricnar com algo que lhe foi dado provavelmente pelos pais, vê outros colegas de trabalho com as suas malas escuras a sorrirem e a cumprimentá-la, satisfeitos pelo seu dia de trabalho ter acabado. Ela sorri de volta e à distancia, entre as casas vê Irma a cozinheira, carregando a comida, pois hoje será um dia cheio e ela tem uns petiscos para fazer,ela prometeu usar a criatividade e servir algo diferente.

Tião passa por elas, desviando-se dos carros, sorri e entra no gabinete da associação da qual é presidente a ACMJG, entre as portas vê a figura do seu grande amigo Zumbi, que está com o Guerra e Paz na mão.

Tião repara na expressão de alegria na face de Zumbi quando ele lhe dá o livro a para a mão e diz-lhe – Já temos mais um livro para a nossa biblioteca.

Ambos deixam o edifício da Associação e vêem ao longe Suelem, que com um sorriso de adolescente olha para eles, com a sua face lindíssima esboça um sorriso para os cumprimentar, e Tiao sorrindo sussurra a Zumbi – “Será que ela um dia vai tomar conta de crianças??? É o sonho dela....”

A conversa e subitamente interrompida por Valter que os comprimenta acenando a mão, e em toda a sua sapiência de quem já trabalha ali à muitos anos, diz-lhe sorrindo, “Meus amigos, 99 não é 100”.

Passado uns minutos estão todos já à porta do seu local de trabalho a rirem e a conversarem e eis que chega Ísis, de uma forma alegre e descontraída, enquanto olha para os edifícios e para o frenesim daqueles que caminham na rua e pensa. “Um dia vou sair daqui... um dia nunca mais vou voltar a ver aquele cartaz...”

Lentamente o seu olhar dirige-se a medo para o cartaz que diz “Aterro Jardim Gramacho... PERIGO DE VIDA”


Agora peço-vos que façam um jogo mental e que todas as imagens que visualizaram anteriormente, enquanto eu apresentava as personagens, sejam substituídas por crianças a brincar com sacas de plástico, esgotos a céu aberto, carrinhas a transportar lixo, lixo espalhado pelas ruas e passeios, casas que são barracas... E quanto à associação, não imaginem um edifício branco de 3 andares com secretaria, mas sim um barraco com livros encontrados na lixeira, pois Waste Land não nos fala de pessoas da classe média, mas sim de pessoas honradas justas e humildes que trabalham em algo que ninguém deseja trabalhar, numa lixeira e catarem o lixo e a vender-no.
Pois Waste Land fala dos catadores do Jardim Gramacho.

Este documentário trazido pela Alexandra ( a Xanocas ☺ ) narra o envolvimento pessoal de Vik Muniz, um artista plástico Brasileiro que vive nos Estados Unidos nas causas humanitárias do maior aterro do mundo Jardim Gramacho (situado perto do Rio de Janeiro ) e a sua relação com os catadores.

Inicialmente Vik Muniz apenas pretendia “pintar” os catadores com lixo, visto que toda a sua obra ter como material o lixo, e a sua utilização em recriar pessoas através dele, usando-o como “tinta” visto ele próprio durante muito tempo ter trabalhado como lixeiro.

Contudo e apos a sua relação com os catadores, ele viu-se envolvido nas suas causas, e ai ele resolveu mostrar a dignidade que existe naquelas pessoas honradas.

E assim criou um documentário que é uma obra de arte, que nos trespassa as emoções, que nos põe a nú, despidos e humildes ao ver todas aquelas justas pessoas, que por motivos de um destino atroz foram arrastadas para aquele espaço.

Recordo as palavras de Suelem ao dizer, "...pelo menos não estou no trafico de droga ou na prostituição, sou uma catadora, tenho um trabalho justo."

No inicio do documentário, vimos Muniz a dizer “Quero mostrar as pessoas que trabalham no Jardim Gramacho, como elas são. Pois ali estão as pessoas que ninguém quer saber, pois vêem aquelas pessoas como o lixo, lixo esse que separam”

Assim ele leva-nos a uma viajem emocional que nos reduz à nossa própria insignificância, que nos deixa abalados por nos afastarmos por vezes da dor alheia e por vezes sermos snobs, onde nos preocupamos apenas com os telemóveis, roupas, carros, casas, férias... e reclamamos se não temos isso, e ali, perante nós estão as pessoas que apenas querem chegar ao fim do seu dia para poderem dar um futuro aos seus filhos, para poderem recomeçar uma nova vida e que por serem consideradas “lixo” deixam de sonhar, pois numa certa altura nota-se que por aparentarem ser felizes, não o são, apenas existem, sem sonhos.

Ai entra uma segunda hipótese de vida... ai entra Vik Muniz, que mostra aos catadores, narradores emocionais desta historia, que eles podem ser muito mais, que eles não são o lixo que separam, que eles são pessoas e que podem sonhar. E o mais belo nisto tudo, é que Muniz não foi para lá com a intenção de ser um “messias” com a boa nova, ele foi lá apenas para fazer um trabalho artístico.

Recordo uma conversa entre Muniz e Tiao, onde falam da arte, e o que é a arte e o não entendermos o que é a arte. Mas com este documentário vimos uma faceta da obra de arte, o poder de dar, de transmitir, de dar valor à vida e aos sonhos de todos nós, pois através da arte “aquela coisa que não se entende bem” o homem sonha, cresce e torna-se mais e volta a voar, volta a reencontrar-se e volta a ter um significado, por mais adormecido que esteja.

Torna-se impossível resumir esta obra prima, pois há tanto, mas tanto para falar e para transmitir. Não se sabe bem o que nos choca ou acorda mais, se Irma a cozinhar no meio do lixo e a usar a sua criatividade para conseguir alimentar os seus colegas com comida praticamente fora do prazo. Se o mar de lixo que envolve as milhares de pessoas que trabalham no Jardim Gramacho. Se as ondas de lixo a sair dos camiões e os catadores (tal como surfistas) a subirem para essas ondas enquanto os camiões descarregam o lixo e ou até mesmo os lixeiros que conduzem os camiões a abrirem as portas sem se preocupar se elas acertam em algum dos catadores, vendo-os como o lixo que carregam.

Torna-se realmente impossível transmitir a magnitude humana e sociológica que nos é mostrada em Waste Land, visto que não é possível criar imagens escritas que cheguem aos calcanhares da sensação que trespassa o nosso o nosso olhar ao vermos os catadores e as suas vidas.


Sei que está demasiado longo este post, mas queria ainda falar de algo, algo belo, no meio disto tudo. Queria falar da sensação de pura felicidade que conseguimos ver no olhar de Tiao.

Após completar os seus quadros fotográficos Vik Muniz leva Tião a Londres, afim de ver o resultado prático e final daquilo que estiveram a criar.

Então é ai que conseguimos entender todo o drama e angustia dos catadores, pois durante uns minutos sentimo-nos expostos a tudo o que pesa nos pensamentos destas nobres pessoas. Esse momento é quando Tião abraça Muniz e no meio de lágrimas, de quem chora pois se sente pequeno demais para a alegria que vive, diz: “Durante toda a minha vida senti que ela não tinha sentido, senti que nada fiz ou nada faria. Mas agora vejo que ela teve sentido, toda a minha vida existiu para me levar a este momento. Ninguém acreditava em mim quando criei a associação ACAMJG (Associação dos Catadores da Área Metropolitana de Jardim Gamacho) mas conseguimos”

Agora para finalizar peço algo, que vejam Waste Land, é muito mais do que consegui transmitir aqui, é daquelas obras que nos ficam na mente durante anos. É daqueles documentários que iremos recordar para todo o sempre.
Obrigado Xanoca.

Desculpem o tamanho do post, e para mais informações:
http://www.wastelandmovie.com/index.html

quarta-feira, 4 de maio de 2011

EKMA e Serge Gainsbourg

O Clube dos Pinguins é especial por uma série de razões e mais uma vez isso ficou demonstrado na sessão de 28 de Abril, apresentada pelo Rui Spranger: possivelmente a mais intimista de que tenho memória. A paixão desta vez foi a música, materializada nos Eriti Kurva Muusika Ansambel e em Serge Gainsbourg. E nesta época que começa a privilegiar o single em detrimento do álbum, foi com especial prazer que vi terem sido trazidos três destes espécimes, que permitem a criação de obras muito mais complexas do que seria possível com músicas soltas (o todo é maior que a soma das partes). Adicionalmente o acto de ouvir a música como prato principal e não como acompanhamento também soube muito bem.

Numa sessão mais tardia que o habitual, foram-nos então dados a conhecer os EKMA, que surgiram em Talin, Estónia em 1990; o seu nome significa literalmente Orquestra de Música Especialmente Triste, têm presentes instrumentos como o violino, a flauta, o saxofone, o contrabaixo, o piano, a guitarra acústica, e o seu estilo oscila entre o burlesco, o folk e a música de câmara, tendo feito lembrar aos membros do clube artistas tão diversos como Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra, Gogol Bordello, Michael Nyman Band ou Yann Tiersen. Após a morte do vocalista e fundador Sven Kunu em 2007, acabaram no ano seguinte. Para a posteridade deixam os álbuns “Haua plaadi lood 1991-1999” (gravestones stories 1991-1999) de 1999 e “ebafolklorism” (un-folk) de 2001, para além de “Ilus elu” (beautiful life) de 2009, em conjunto com Eesti Rahvusmeeskoor.

De Serge Gainsbourg ouvimos “Histoire de Melody Nelson” de 1971, por muitos considerado o melhor conseguido dos seus álbuns. Composto conjuntamente com Jean-Claude Vannier, ainda tão recentemente como em 2006 e 2008 foi interpretado por este em Londres e em Paris, contando com a colaboração dos Placebo, The Bad Seeds, BBC Concert Orchestra entre outros. Desafiando a compreensão da língua francesa por parte dos presentes, é contada a história do homem de meia-idade Gainsbourg que embate o seu Roll Royce na bicicleta da adolescente Melody Nelson, e do romance subsequente. Jimmy Hendrix e funk vieram à cabeça de vários membros do clube.

Foi uma sessão memorável, que trouxe o prazer, neste tempo tantas vezes negligenciado, de ouvir música apenas pela música, e não como acompanhamento da condução ou como banda sonora de um qualquer filme.