domingo, 26 de novembro de 2006

Mário de Cesariny


poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny (Lisboa 09/08/1923-Lisboa 26/11/2006)

Foi com este poema que me apresentaram Cesariny, e assim abri uma porta para o seu mundo … Surrealista, "Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo/ à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo" .É bom poder navegar nas suas palavras e saber que esteja onde estiver, de certeza que se está a rir.


3 comentários:

Vitor Elyseu disse...

um belíssimo poema!sem dúvida.

Rui Vieira disse...

Mário Cesariny de Vasconcelos é(foi) um daqueles homens fora do seu tempo. Lia recentemente uma entrevista que concedeu a um semanário e percebi a grandeza do Artista. Fosse na Pintura ou na Poesia nunca descurou a sua coerência. Ainda que muitas vezes fosse de dificil compreensão, procurou sempre nas palavras simples transmitir ideias complexas.
Guardarei sempre na memória "Pastelaria", mas acima de tudo nunca esquecerei "Welcome to Elsinore":


Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mão e as paredes de Elsinore

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

António Manuel Rodrigues disse...

Bem haja Cesariny!