Há vidas que nos fazem lembrar uma estrela cadente. São fascinantes, fugazes e não nos deixam indiferentes. O que dizer de um rapaz que deixou a sua marca por toda uma cidade em forma de grafites? Podíamos falar de um conto de fadas, em que o vagabundo se transforma num rei, o rei que está preso numa torre e que com a sua coroa a bater nas grades, faz um som tão belo que toca em toda a gente. Ninguém o vê, mas toda a gente o ouve. Ninguém o salva, porque a sua música é tão bela que necessitam dela para viver, e por isso tem que continuar preso.
Foi um vagabundo -rei que Rui Vieira nos apresentou na sessão de terça-feira. Samo© ou Same Old Shit, um nome que partilhava com um amigo, deu-se a conhecer por toda Nova York com os seus grafites, no final da década de 70, ele tinha cerca de 17 anos. Jean Michel Basquiat o seu verdadeiro nome.
Rui Vieira começou a sessão a falar da vida e obra deste artista, nascido em Nova York em 1960, pai Haitiano, e mãe descendente de Puerto Riquenhos. O Rui contou-nos a história de Basquiat, de um modo apaixonante e intenso. A sua vontade de partilhar tudo connosco era muito grande, de modo que pudéssemos entender o que o motivava, de modo a contagiar-nos, e conseguiu, através das suas palavras, através do diaporama que fez e que colocou no You Tube com imagens de fotografias e pinturas de Basquiat, acompanhadas de uma excelente música de Brian Kelly, “She is dancing”. O diaporama deu-nos a conhecer um pouco do trabalho de Basquiat, uma arte de fúria e de rebelião, marcada não só pelas suas pinturas, mas também pelas suas palavras escritas em forma de grafite. Frases que aparentemente não tinham nexo, mas que faziam pensar, como por exemplo:
"Esta cidade está pejada de emproados pseudos da classe média que tentam parecer como o dinheiro que não têm; símbolos de status. Dá cabo de mim. É como se passassem etiquetas dos preços coladas à cabeça. As pessoas deviam viver a vida de forma mais espiritual, pá."
"Every single line means something."
"Since I was seventeen I thought I might be a star. I'd think about all my heroes, Charlie Parker, Jimi Hendrix... I had a romantic feeling about how these people became famous."
"I don't think about art when I'm working. I try to think about life."
"I don't listen to what art critics say. I don't know anybody who needs a critic to find out what art is."
A paixão de Rui Vieira, o que o inspirou para a sessão, foi sem dúvida o filme Basquiat, com realização de Julian Schnabel, e estreia em 1996. O Rui viu o filme na televisão, por acaso, por volta de 1999. O que o fez apaixonar-se inicialmente foi a banda sonora, mas aos poucos foi ficando preso à história e principalmente a SAMO, a personagem que o encantou e o intrigou.
SAMO, “The radiant Child” como lhe chamou um dia Rene Ricard (poeta, critico de arte), num artigo que o lançou para as luzes da ribalta na Artforum Magazine.
SAMO no seu deambular pelas ruas de Nova York, quase sempre drogado, parando por vezes para escrever em alguma parede, é uma figura que perturba, porque parece sempre que está perdido, e que não quer ser encontrado.
A banda sonora dá um outro encanto às imagens, e assim somos embalados por Tom Traubert`s blue (Tom Waits), Hallelujah (John Cale), Is That All There Is? (PJ Harvey), entre outros, como por exemplo David Bowie. Mas Bowie não dá só a sua voz a uma das canções do filme, faz uma interpretação magnífica de Andy Warhol, com todos os seus trejeitos, e aparente fragilidade. Andy Warhol uma das figuras que marcou e influenciou a Arte a nível mundial, trabalhou com Basquiat, mas acima de tudo foi seu amigo.
O filme não nos conta tudo sobre Basquiat, algumas personagens são fictícias, mas dá-nos a conhecer a realidade no mundo das Artes nos anos 80, em que os donos das galerias são pessoas com poucos escrúpulos que querem aproveitar-se ao máximo das debilidades dos seus artistas.
Outra imagem que o filme nos mostra e que atormentou e influenciou o trabalho de Basquiat é o modo como algumas pessoas olhavam e falavam dele, porque ele era negro e pintava. A pintura era uma arte só para os brancos, e Jean Michel Basquiat quebrou essa barreira.
Poeta, músico, pintor, um homem perseguido pela droga e que morreu aos 27 anos, em 1988, com uma overdose. Um dia alguém disse que: “morrem cedo aqueles que os Deuses mais amam”. O artista partiu mas ficaram as suas pinturas que nos tocam, comovem e perturbam.
Vieira, obrigada pela partilha desta paixão, sei que querias mostrar este filme há muito tempo e que foi finalmente possível, graças ao incansável Hugo Valter Moutinho.
Podem ver algumas fotos da sessão no blog do Pedro Ribeiro.
5 comentários:
Jean Michel Basquiat era praticamente um desconhecido para mim antes da sessão do Vieira. De terça para cá, já li umas dezenas de páginas sobre ele e vi centenas de gravuras suas (sejam elas pinturas ou grafitis). Acho que isto resume o que senti na sessão e o quanto gostei dela. Parabéns Vieira mais uma vez por nos despertares para novos mundos. Deste-nos a conhecer um pintor com uma originalidade impar, de telas carregadas de emoção (muito pelo efeito das drogas tambem), com uma iconografia única que combina côr, forma e desenho de uma forma deliciosa.
Quem foi à sessão, percebeu logo que a Claudia ia fazer um excelente post. Estava já bem documentada e dentro do tema. O resultado está agora à vista.
O meu muito obrigado aos dois.
Lamentavelmente não pude prestar a devida atenção à paixão que o Vieira nos apresentou na última sessão. Por isso peço desculpa ao apaixonado. Ainda assim, e do pouco que consegui perceber, gostei e fiquei curiosa por saber mais. Prometo que vou investigar...
Parabéns ao Vieira pela sessão, à Cláudia pelo impecável post que aqui deixaste, ao Pedro pelas fantásticas fotos que tirou e ao Granel pelo repasto que proporcionou.
Tenho imensa pena de não ter conseguido ir à sessão do Vieira, até por que sei o quanto apaixonado ele é pelo Basquiat e pelo filme que ele apresentou na sessão.
Quero simplesmente dar os parabéns ao Vieira pela excelente escolha e estou certo de que fez uma sessão arrasadora e vivamente apixonado...
Cláudia, parabéns pelo post (O pupilo fala sobre o seu Mestre...), fizeste um trabalho de mestre, quase tão apaixonado como a paixão em si própria. Muitos parabéns aos dois...
Começo por dizer que tenho muita pena de não ter podido aparecer no clube na terça passada e desta forma ingrata ter perdido a sessão do Vieira... A verdade é que os prazos apertam e o tempo não se desdobra.
Mais pena ainda tenho depois de ter visto o tema. Porquê? Porque já por diversas vezes me cruzei com cenas do filme Basquiat na TV e porque do pouco que vi não gostei! Não gostei da faceta de vítima. Não gostei da faceta de génio. Não gostei da faceta de completo drogado. Pareceu-me tudo clichés, para os quais não tenho paciência e fiz zap!...
Uma das coisas que eu gosto no Clube é ver o mundo pelos olhos e pelo coração dos outros e enriquecer-me com as suas perspectivas de vista.
Assim continuo pobre no que diz respeito ao Basquiat.
A sessão só pode ter sido um espectáculo! Parabéns Vieira!
E parabéns Cláudia pelo post e pelos links!
"SAMO does not cause cancer in laboratory animals"
Desconhecia por completo a existência e obra deste artista moderno mas logo no dia seguinte devido a uma visita do Granel ao pecado da gula fiquei curioso e hoje depois de ler o post da Claudia rendi-me de facto.Primeiramente pela forma como escreveu,organizadamente,e depois,graças a umas visitas no google,pude tomar conhecimento do elenco de luxo seleccionado para o filme.Uma grande falha da minha parte ter faltado.
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