segunda-feira, 10 de julho de 2006

Dedicatória



Não posso deixar de partilhar as minhas paixões, pois tornou-se um dos maiores vícios. E agora, que estou longe dos meus queridos amigos, e não posso partilhar todas essas paixões que por aí andam, tenho neste espaço o meu cesto de despejo! Hoje trágo-vos duas paixões: Pessoa (mais uma vez) e a paixão das paixões - a mulher. Como não vou especificar deixo-vos a foto daquela que para mim será sempre a mais bela: Greta Garbo!


Análise
Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me

Sabendo que tu és, que, só por ter-me

Consciente de ti, nem a mim sinto.

E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho

Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.



Fernando Pessoa, [Cancioneiro]

3 comentários:

António Manuel Rodrigues disse...

Uma dedicatória que eu subscrevo, duas paixões que são minhas também. O sempre nosso Fernando Pessoa e as mulheres especiais da nossa vida... Sobretudo "a" que nos faz mexer e mexe connosco...

Susie disse...

Não te conhecia essas duas paixões.
Deixo-te um mimo.

"Greta Garbo in Dark Glasses"

The distant howling you can't hear,
but might, the possibility of inherent
in an empty, vibrating space,
is really just a fact of life, a secret
form of noise, as when a stranger
is screaming under water.

Shy mosquitoes on the porch at dusk
probe for a patch of exposed skin,
like awkward, impatient doctors.
For the couple living together
long enough, the failure to honor
the other's deepest longing
leaves them both stranded in a movie
that's over, the dazed crowd
streaming out into the evening.
A life falls apart in slow motion.
You might watch the silhouettes
of birds settle in the trees at dusk.

Drained by the fever of messy sex
Augustine ignored both God and Mama
until finding in a mea culpa the logic
of a guilty pleasure. To show God
while preaching, he pointed at the sky
which was large enough to absorb
even the loudest scream in the world.

Though too pleased by solitude,
whether napping or on the porch
or reading Augustine, whether
dazed by love, or even depressed,
like Greta Garbo in dark glasses,
you still think your lover deserves
an ideal devotion. So you picture
in the future a lament, a longing,
for just this troubled past.

por Rush Rankin

(bem sei que não é nenhum Pessoa...)

A.Vaz disse...

É verdade, a paixão pela mulheres não partilho, mas Fernando Pessoa é sem dúvida o amante de todas as horas, o que acompanha as mudanças de estado de alma, na sua "esquizofrenia" ou "paranoia". Prefiro vê-lo como um diamante com inúmeras faces e cuja singularidade reside exactamente na precepção da coerência dos opostos.

Há cerca de dois meses descobri alguns poemas que ainda não conhecia. Perdoa me a ousadia de partilhar um deles, que, na sua simplicidade, tornou verbal a intangibilidade da emoção!




Por quem foi que me trocaram
Quando estava a olhar pra ti?
Pousa a tua mão na minha
E, sem me olhares, sorri.

Sorri do teu pensamento
Porque eu só quero pensar
Que é de mim que ele esta feito
É que tens para me dar.

Depois aperta-me a mão
E vira os olhos a mim...
Por quem foi que me trocaram
Quando estás a olhar-me assim?


Poesia Inéditas