Eu já, e isto aconteceu durante uma sessão parlamentar particularmente “quente” uma vez que se discutia o aumento da idade da reforma para os funcionários públicos (eu sou funcionário publico)!
Além de ter sido revistado e ter que passar por um detector de metais para lá entrar, tive que deixar o telemóvel numa qualquer recepção à guarda de umas caras-lindas quaisquer…
O debate era do mais sério que se pode imaginar. Esgrimiam-se argumentos de uma e outra bancada, os discursos inflamados iluminavam as galerias… Pasmei com tanta eloquência!
Comecei a apreciar, não os oradores, mas sim os deputados nos seus lugares. Lamentei o exíguo espaço de que dispunham para ler… o jornal! Pensei, coitados!
Como a época de férias se aproximava, umas senhoras deputadas folheavam e comentavam uma revista de uma agência de viagens; daquelas revistas com fotos e respectivos preços, consoante se trate de APA, MP, PC. Pensei, a escolha não deve ser nada fácil ao preço a que as viagens estão!
Como as galerias estão mesmo sobranceiras aos lugares dos deputados, apurei a vista para tentar perceber mais do que “lá em baixo” se fazia e dizia.
Como é evidente, o rodopio de entradas e saídas era imenso. Lembro-me do Dr. Mota Amaral chegar todo sorridente às 11h30 e cumprimentar os seus colegas de partido sentando-se ora numa cadeira ora numa outra, para uns dedinhos de conversa! Pensei, que rica hora para se chegar ao local de trabalho!
Ah, e lembro-me também de algo com o qual cheguei até a corar (e eu, que já sou um rapaz na casa dos quarenta). É que, depois de verem a tal revista da agência de viagem, as ditas senhoras sacam de uns sacos de uma boutique e sem mais, exibem lingerie acabadinha de comprar. Pensei, que bonito, que romântico, mas deve ter sido caro, afinal o IVA está a 21%!
Mas esperem, ainda tive tempo de ver o Ferro Rodrigues sentar-se junto do Manuel Alegre e estender-lhe o ultimo livro de poesia que este ultimo editara para que o autografasse. Pensei, que delicadeza. Julguei estar numa qualquer biblioteca pública!
O debate decorria e chegada a hora do almoço o Presidente da Assembleia da Republica interrompeu os trabalhos sem antes informar e pedir autorização ao hemiciclo para se deslocar a New York. Pensei, nunca estive em New York!
Então foi o caos. O pessoal que até então estava sentado calmamente nas Galerias não aguentou. Levantou-se, e a plenos pulmões começou a chamar “filhos-da-puta”, “cabrões”, chulos-da-merda”, “mentirosos”, enfim um pandemónio, como podem imaginar. Pensei, que vergonha!
Resultado: O Senhor Presidente manda evacuar as galerias e também eu acabei expulso sob um Sol abrasador. Pensei, que rico dia…!
À noite pude assistir pela televisão ao desfecho da votação. Dias depois o Telmo Correia propunha uma lei que penalizasse quem prejudicasse os trabalhos da Assembleia. Pensei, que trabalhos?
Por tudo isto, recomendo uma ida à Assembleia da Republica, vão ver que vale bem a pena, mas lembrem-se que podem ser presos se fizerem barulho. É que, convém não perturbar os trabalhos. A Lei, sempre é a Lei…!
Um abraço,
A. Magalhães
PS: lembrei-me deste episódio por mim vivido, depois de ler o Post sobre “Que tal referendar o regimento da Assembleia da República?”
4 comentários:
não é bazófia: são posts como este que dão força à blogosfera. posts que mostram a realidade para lá do que os jornalistas contam.
também por isso, o post da sessão de ontem ficará mais para o fim do dia, se não se importam.
Concordo inteiramente com o Fil. Este post é uma pérola. E é uma pérola porque mostra, de forma patente, a realidade nua, através dos olhos de alguém que, por mais que suspeitasse que efectivamente os nossos ilustres deputados encaram o seu local de trabalho de uma forma muito particular, provavelmente não imaginava que fosse desta forma.
Muito mais haveria para ver, sentir e contar mas há coisas que não valem a pena e por aqui já se fica com uma ideia suficientemente clara. Todos temos consciência que eles passam imenso tempo dentro da AR e que aquilo se torna uma seca e que eles têm de passar o tempo de alguma forma. No entanto, tudo o que é de mais é erro.
Ressalvo apenas que, e como em tudo na vida, há excepções.Há deputados que efectivamente trabalham.
Isso é tudo mentira. Os deputados da Nação são homens de rigor e de trabalho! Eles nem lêem o jornal!
E, oh rapaz na casa dos quarenta, andas meio desaparecido. Que tal uma visitinha ao Clube? Hã? Hã?
Não querendo ser o advogado do diabo, assumindo só uma costelhinha do contra, devo dizer que grande parte do trabalho realizado na Assembleia da República é feito fora do hemiciclo. Este só serve para treinarem a oratória e e ir mostrando a carinha aos Portugueses. Até porque se discute tanto e nunca vi ninguém mudar de opinião. Serão todos tão convictos ou realmente aquilo é o Vazio???
Last but not the least, acredita que a malta já tem saudades
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