terça-feira, 19 de setembro de 2006

PARA QUE SERVE UM MINISTÉRIO DA CULTURA?

Por António Pedro Vasconcelos
SOL 16-09-2006


A IDEIA de dar à Cultura a nobreza de um Ministério, durante o governo de Guterres, veio de França, de onde vêm normalmente estas ideias peregrinas. Quando De Gaulle voltou ao poder, em 58, decidiu criar a pasta para o seu amigo Malraux, que queria ser Ministro da Propaganda!
Mas a França tinha, nessa altura, uma cultura para exportar. Além de ser o berço de uma grande literatura, era, no século XX, um pays d’accueil de grandes pintores, músicos de jazz e escritores de todas as nacionalidades, o que justificava uma política cultural à Luís XIV. Em Portugal, onde os artistas foram muitas vezes perseguidos e várias gerações sacrificadas pela hostilidade dos costumes, não há uma tradição cultural sólida, reconhecida e popular. Dirme-ão que é precisamente por isso que se impõe a necessidade de um Ministério da Cultura. Permito-me discordar.

HÁ LARGOS anos que não há em Portugal um debate sério sobre o papel do Estado nas actividades culturais. Depois do 25 de Abril, os artistas, que viram, durante meio século, a sua actividade abafada por um regime provinciano e clerical, exigiram, por uma reacção natural, que o Estado os protegesse e apoiasse. Ora, essa exigência, feita em nome da independência da criação, acabou por se transformar numa forma paradoxal de dependência, uma vez que os artistas, normalmente rebeldes, acabaram por achar confortável anichar-se sob a asa dos governos e reclamar a sua fatia no bolo do orçamento.

COM A criação de um MC, a tentação de impor uma política do gosto instalou-se com naturalidade; e, em vez de agir sobre as condições de acesso aos bens culturais, o Estado passou a distribuir subsídios aos artistas, com o seu cortejo de iniquidades, favoritismo e jogo de influências.
Por outro lado, a existência de um MC agrava a tendência para confundir a política do Património com a das artes vivas, o que reforça a tentação de tutelar os artistas. Ora, se ninguém discute Camões ou Eça, já não cabe ao Estado decretar quem é melhor, nem decidir quem deve ou não deve ser apoiado: se Emanuel Nunes se Jorge Palma.
A política da cultura, num país inculto, não deve privilegiar o apoio directo aos criadores, mas sim a criação de condições para que eles encontrem um mercado para as suas obras. A prioridade não deve ser o subsídio aos artistas, mas a criação de públicos: o que nos falta são leitores, ouvintes e espectadores. E isso não é tarefa do MC, mas de outros dois Ministérios: o da Educação e o das Comunicações, que tutelam, respectivamente, esses dois instrumentos decisivos para a cultura de um país, que são as escolas e a televisão.

2 comentários:

António Manuel Rodrigues disse...

Mais uma vez bato palmas ao António Pedro Vasconcelos e faço a minha ovação de pé se preciso for...

Contudo, começo a minha ressalva pela existência ou não de um ministério da cultura, confesso que me é absolutamente indiferente, desde que haja uma politica nacional para cumprir a função desta entidade, seja ministério ou não, que é a criação de públicos!

Em segundo, a cultura em Portugal sofre de uma ignorância de décadas, algo que se tem combatido com as ultimas gerações, mas quem "manda" continua a achar os "artistas" um alvo a abater. Continua a dominar uma elite de novo-riquismo e pseudo-intelectualismo para quem a POSSE da arte e a PRESENÇA na arte continua a ser o mais importante! Quando cultura não é só arte, nem artistas, nem gosto convencionado, nem intelectualidade provinciana...

Em terceiro lugar, os "artistas" subjugaram-se ao sistema, venderam-se aos subsídios e acomodaram-se ao conforto da vida a que toda a gente tem direito... Trabalhar para a cultura não é facil, exige sacrifícios, mas todos têm direito a um mínimo de dignidade e cada um sabe qual a parte de si que pretende vender...

Em quarto, na europa a cultura não se paga a si própria, então se quisermos continuar a acreditar que CULTURA é factor de CIVILIZAÇÃO, teremos que a financiar e promover de alguma forma...

Em quinto, a política do gosto é o que se vive hoje, tanto a nivel nacional como local. Continuamos a ver imposto ao comum cidadão o gosto "artístico" ou "intelectual" de quem tem a presunção de mandar, aqui incluem-se quase todos os agentes culturais, se os privados têm validade para o fazerem pela especificidade, os públicos não...

Em sexto e ultimo lugar (porque este comentário já vai longo), a dinamização da cultura nasce em primeiro lugar nas escolas e depois fundamenta-se na comunicação de massas. Deve ser parte da formação de qualquer indivíduo e deve ser promovida. Quantos adolescentes nunca puseram os pés numa sala de espectáculos? Ou num museu? Ou num recinto desportivo que não de futebol? Ou viram filmes onde não entrem Schwarzeneggers e companhia?

Cada um destes pontos dava por si só um comentário, ou mesmo um post, mas pelo resumo do António Pedro Vasconcelos, brilhante na síntese como sempre, apesar de achar que algumas posições não precisam ser tão categóricas, continuo a minha ovação, de pé se preciso for...

Unknown disse...

Não tenho muito mais a dizer para além do que foi dito.
Este tem vindo a ser o discurso da Audiência Zero desde o início, e por o ter já fui muito criticado. Mas ainda bem que vem alguém com credibilidade suficiente para que as pessoas pelo menos prestem atenção.

Obrigado pelo texto, Helena, pois desconhecia a sua existência!