domingo, 14 de junho de 2020

Viagem grátis à Escócia! Não percam!


No passado dia 3 de Junho, a Marta levou-nos a todos de boleia a uma viagem à Escócia, sem termos de sair do sofá, devidamente instalados na nossa casa, através da plataforma Zoom. O Daniel desta vez entregou o volante à Marta e fez ele próprio de pendura neste périplo de 18 dias por terras de William Wallace, que retrata a viagem low-cost que eles fizeram, juntamente com outro casal em 2018.

Apaixonado que era, na altura da minha adolescência, por uma série passada precisamente nas Terras Altas (High Lands) da Escócia, intitulada "Os Imortais" (Highlander), com o famoso Duncan Macleod que decapitava cabeças com a sua espada de ferro, sempre sonhei em visitar esse país, embora nunca tivesse surgido a ocasião. Foi assim, nesta noite de Clube dos Pinguins que tive oportunidade, juntamente com o resto do bando, de estar quase com um pé no monte Old Man of Storr na ilha de Skye, de ficar encharcado dos pés à cabeça devido ao nevoeiro espesso, de me imaginar a percorrer os 3.200 kms pelas estradas sinuosas, para ir ver muralhas/ruínas do que outrora foram castelos, de me sentir assoberbado por todo o verde e pela grandiosidade das formações rochosas que nos fazem chorar e sentir do tamanho de uma ervilha, de sentir o cheiro das comidas locais e dos pubs, onde se encontra sempre um português, enfim, de ter conseguido ficar a pensar: porque raio não fui eu à Escócia ainda?

A Marta, fervorosa adepta deste país do Reino Unido (até ver...) revive também ela a história e os locais paradisíacos, através dos livros e da série Outlander que agora depois dos inúmeros e rasgados elogios, vou começar a seguir no Netflix. E recomendo que o façam também!

Ficou também já prometida uma visita de estudo dos Pinguins à Escócia (com o Daniel como guia), de preferência em Agosto para podermos passar também em Edinburgo para assistir ao Fringe Festival, o maior festival de artes performativas do mundo, que durante um mês inteiro acontece por toda a cidade, pelas ruas e pelos bares.

Não consigo fazer jus à excelente apresentação imersiva da Marta (e do Daniel à boleia), mas posso dizer que ficámos todos apaixonados pelas gentes da Escócia, pela sua História, pelas paisagens cinematográficas, pela magnificiência da arquitectura, pelos finais de dia absolutamente fascinantes... enfim, por todos os detalhes que partilharam e que realmente nos conseguiram transportar para lá.

Obrigado Marta (e Daniel)!

terça-feira, 2 de junho de 2020

João de Araújo Correia - Olga Pires

Há cerca de 15 dias, o Hugo Pereira lembrou que, nesta edição online do Clube dos Pinguins, ainda ninguém havia feito um teaser, antes da sessão. E, de facto, os teasers têm uma importância maior do que aquela que aparentam. Eles convocam-nos para um mistério que simboliza a essência da paixão, para além da mera aparência. Horas antes do início da sua sessão, a Olga partilhou connosco uma paisagem do Peso da Régua, lugar que sabemos ser parte integrante da sua identidade, por onde andou até chegar ao nosso encontro, nessa cidade que nos une, que é o Porto, e nesse lugar da nossa partilha – o Pinguim.
O mistério manteve a sua camada de aparência na primeira pergunta que nos fez: “se eu vos falar num médico, escritor do Douro, quem vos vem à ideia?” As respostas foram tímidas e parcas. E percebendo que não chegaríamos lá, a Olga devolveu-nos um nome – João de Araújo Correia. O desconhecimento geral proporcionou uma daquelas sessões que nos fazem terminar o dia com a certeza de que iremos acordar mais ricos e mais curiosos com novos caminhos. Juntos, temos então a nossa “terra de consortes”.
João de Araújo Correia nasceu em 1899, em Canelas, nesse paraíso natural que é o Peso da Régua. Entusiasta da grande literatura do seu tempo, acaba por se licenciar em Medicina, na cidade do Porto, sob a orientação do humanista Abel Salazar, profissão que exercerá como um “João Semana” ou, como diria mais tarde o seu neto, um “Robim dos Bosques da Medicina”. E, não obstante a sua dedicação à medicina, que jura ser acidental, e o seu amor pelo Porto, como se lá tivesse nascido, é a Canelas que regressa com a mulher e os seus cinco filhos, vítima dessa doença que tantas vezes nos assombra o espírito – “um cansaço extremo” -, dedicando-se àquele que considerava ser o seu verdadeiro ofício, o de escritor.
Influenciado pelo génio de Camilo, seguindo trilhos traçados por Trindade Coelho ou Mestre Aquilino (este que acabaria por dizer que o mestre de todos era o próprio João de Araújo Correia), o escritor concentrou-se nas idiossincrasias do povo, nos regionalismos e na natureza e foi assim quem em 1936 escreveria um opúsculo de linguagem médica popular do Alto Douro. Colaborou com diversos órgãos da imprensa, local e nacional, e compôs uma colectânea com esses contributos, contos e crónicas, publicando-os sob o nome “Sem Método – Notas sertanejas”.
O seu realismo naturalista chamou a atenção de grandes críticos literários da época, como Urbano Tavares Rodrigues ou João Bigotte Chorão. Este último tornar-se-ia no grande estudioso da sua obra, apontando a singularidade da sua escrita, a pureza e correcção da linguagem e o domínio exemplar da língua portuguesa. Araújo Correia afirmava, então, uma capacidade invulgar para transformar a linguagem popular em literatura, explorando diálogos, modos de vida e perspetivas do real, da realidade que foi observando enquanto homem e médico. A sua sensibilidade é angustiante.
A sua obra é, também, resultado da sua insistência em explorar a sua origem matricial, onde garante que todos encontramos a universalidade, sem precisar de sair pelo mundo. Esta ideia, presença constante da sua literatura, confirma-se na descrição exata dos elementos naturais, da imensidão dos regionalismos e na exploração da essência do ser humano, lembrando outros autores como Afonso Duarte, Aquilino, Torga ou Fernando Namora.
A sua inquietude e necessidade de divulgar a sua obra e a de outros autores com menos acesso ao mundo editorial fê-lo criar a editora Imprensa do Douro, ainda hoje em actividade, apesar de menos ligada à literatura. Essa sua intervenção é, talvez, o motivo para ainda hoje existir uma tertúlia no Peso da Régua com o seu nome, que se dedica à divulgação da sua obra, através de conferências e debates ou através da publicação de obras suas já há muito esgotadas e desaparecidas do alcance do grande público. Apesar dessa dificuldade de publicação, João de Araújo Correia é um dos autores do Plano Nacional de Leitura e o seu nome foi atribuído à escola secundária, onde a nossa anfitriã, Olga Pires, estudou. E eis um bom motivo para terminar esta já enfadonha crónica.
Não sei distinguir, ao certo, o momento em que a paixão da Olga se metamorfoseou. É, aliás, difícil dizer com toda a certeza se a Olga nos quis falar de João de Araújo Correia ou se, através das suas palavras e da sua missão, quis connosco partilhar a sua paixão pela raiz da sua essência – o Peso da Régua. E, na verdade, isso é um pouco indiferente, na medida em que tudo isso se mistura em nós com naturalidade: a nossa linguagem; o cheiro da terra; o som do vento nas árvores; o quotidiano das nossas gentes; os costumes que reconhecemos e que tantas vezes nos colocam dilemas entre um tempo outro e o nosso tempo. Mas é na raiz dessa essência e na crónica do tempo que passa que a identidade é matriz dos símbolos – esses símbolos que ostentamos no peito e que cativam o olhar dos outros na rua que conduz à porta da nossa casa.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Gin

Pela terceira vez nesta quarta temporada o clube dos pinguins juntou-se, ainda fora da cave, para mais uma partilha de paixões. Desta vez foi o Tiago que nos presenteou como uma apresentação sobre a sua grande paixão, o Gin.

O interesse por destilados começou por intermédio dos seus pais que tinham por hábito a realização de cocktails, como gin tónico e dry martini, nos encontros familiares. O gin que bebericavam era Gordon's, um grande clássico, com a famosa rodela de limão num copo de tubo.
Andando para frente uns anos, é por volta de 2013/2014 que, ao voltar ao seu emprego antigo conheceu quem viria a ser a sua futura sócia. Foi esta mesma sócia, Rute, que o iniciou na degustação dos chamados novos gins, com algum esforço visto que, o Tiago achava que aqueles aquários cheios de gelo, salada de frutas, pouco gin e muita tónica era uma "paneleirice". Ao provar um Martin Miller's com zimbro e lima a sua opinião mudou completamente, um novo mundo de sabores estava à sua frente. Continuou a experimentar e a comprar mais gins diferentes e no dia dos namorados de 2016 a sua esposa, Daniela, ofereceu-lhe o livro "Vamos Beber um Gin?" que rapidamente leu e a ideia de fazer o seu próprio gin começou realmente a formar-se. Leu bastantes livros dos quais destaca "The Drunken Botanist", foi a Londres fazer um workshop de como abrir uma destilaria e concluiu também o nível dois de destilados pela WSET Awards.
Num jantar de família virou-se para o seu padrinho, "Oh Teles vamos fazer um gin.", "Está bem.", respondeu este sem dar grande importância, sem saber que o Tiago falava muito a sério. Começou por pensar no nome, GinT, de Tiago e Teles. Em dezembro de 2017 comprou 40 litros de vodka e fez algumas destilações, "É pá, aquilo era horrível.", pensou o Tiago, mas prosseguiu nas suas experiências tendo bastante dificuldade em arranjar fornecedores. Chegou então à sua receita final, zimbro, semente de coentro, cássia, angélica, flor de sabugueiro, casca de laranja doce, cravinho, noz-moscada e o ingrediente diferenciador a casca de figueira. Este último ingrediente vem da vontade de criar um gin que tivesse algo de sua identidade, o aroma da infância que sentia quando aproveitava a sombra das figueiras nos terrenos do norte. Durante o início de 2018 correram o país a dar a provar algumas amostras e em maio nasce o GinT Rubro, um gin com 58% de álcool (o mais forte em Portugal) mas com uma suavidade e um sabor incríveis. A garrafa em formato de balão Erlenmeyer e a rolha de cortiça natural elevam o gin transparecendo a atenção ao detalhe do Tiago. (ver imagem seguinte)
Posto isto, foram ao Lisbon Bar Show e tiveram críticas muito positivas, mas foi na Junipalooza 2018 em Londres que se afirmaram, apesar de estarem ainda a começar, tiveram muito sucesso e venderam bastantes garrafas. Conseguiram distribuição no estrangeiro e o negócio começou a rolar de uma boa maneira. Em 2019 eu tive o privilégio de acompanhar o Tiago e a Rute à Junipalooza onde vendemos cerca de 80 garrafas em dois dias e onde testemunhei em primeira mão o quanto o público fica maravilhado a degustar este gin, é sem dúvida dos melhores do mundo e para mim o melhor português que já experimentei. 
Agora em 2020, já com duas medalhas de prata e uma de bronze, o negócio estava a correr bem e já existia uma nova receita, menos alcoólica e não tão seca, para entrar numa gama ligeiramente mais baixa e dar a possibilidade a mais clientes de provarem o que o Tiago consegue fazer com um alambique. Infelizmente com o vírus que anda por aí esta receita ficou em suspenso mas, sendo o Tiago uma pessoa que nuca pára, vai lançar brevemente uma edição limitada chamada Heads & Tails. Receita esta que, como explicado na sua apresentação, vem do desperdício que se tem na destilação, dado que, só é aproveitado a parte central, Hearts, procedendo-se depois a uma nova destilação deste desperdício e nasce assim esta edição. Para terminar gostaria de mencionar o grande esforço que o Tiago demonstrou para seguir a sua paixão e a capacidade de ter uma destilaria com praticamente nenhum desperdício, quer seja no aproveitamento do álcool como referido mas também no aproveitamento dos botânicos que após destilados ainda têm muito para dar, realizando em parceria comigo e com o grande Paulo Pires os primeiros bitters portugueses que brevemente também entraram no mercado.

Assim me despeço esperando ter feito justiça à belíssima apresentação do mestre destilador Tiago Sanches.
(Já agora bebam muito GinT que o vosso palato agradece e o Tiago também.ahahah)   


  

 

quarta-feira, 6 de maio de 2020

A safra pelo conteúdo, no regresso do Clube

Lima de Freitas, gravura para o livro Olhos de Água de Alves Redol

É curioso que o Jorge tenha apresentado a sua paixão, o neorrealismo português, já em processo de deixar de trabalhar no Museu do Neo-Realismo. Foi na passada quarta-feira, na primeira reunião da quarta temporada do Clube dos Pinguins, que decorreu pela primeira vez sem ser na cave. Não houve frio, calor, luz, fumo, cerveja, vinhos iguais para todos, foi cada um com o seu/a sua, em sua casa, a olhar para um ecrã de computador ou de telemóvel. Mas o que importa é a partilha das paixões, o que é que interessa a forma?

O que interessa é o conteúdo. A paixão, neste caso.

Tendo nascido em Vila Franca de Xira – um dos epicentros do neorrealismo – e vivido em S. Mamede de Infesta – onde está desde a juventude do Jorge a Casa-Museu Abel Salazar – pode dizer-se que é natural que esta paixão se desenvolvesse em alguém que se interessa pelas artes e pela cultura. Nesta jovem vida entre cidades (há nele uma paixão enorme por Lisboa, também), o Jorge descobriu um título que o podia descrever “Nasci com um passaporte de turista” aí pelos 14 anos, quando começou a ler – nas palavras dele –o livro o introduziu ao neorrealismo. Ainda no Porto.
Seguiram-se o “Gaibéus”, a descoberta do Carlos de Oliveira num poema da Antologia da Poesia Portuguesa do Eugénio de Andrade nas sessões de poesia do Pinguim.
Entretanto, em Vila Franca, onde ainda o ar guarda um cheirinho a domínio pela aristocracia rural, ao neorrealismo não era dado o destaque que o Jorge entendia que deveria ter, com a exceção do Museu do Neo-Realismo.
O fascínio ganhou, entretanto, contornos de paixão quando o Jorge deixou o Porto e, especialmente, o Pinguim. “O distanciamento fez-me perder vida cultural, tinha conversas que deixei de ter”, contou-nos, e no Museu do Neo-Realismo, com as suas publicações e exposições – “vi uma do Cunhal e fiquei doido com a capacidade de desenho de um homem que não tem formação em arte, a inteligência… e vi outras” – que motivaram a sua tentativa de sair do pelouro do turismo, onde trabalhava. “Consegui chegar ao Museu do Neo-Realismo”.

Rewind. Quem é que se oferece para escrever um post sobre a paixão de um grande amigo? Voluntarismo palerma!

Uma das coisas que aprendi com o Jorge nesta apresentação é que o neorrealismo só foi verdadeiramente conhecido depois do 25 de Abril, de tal forma foram perseguidos e censurados os seus representantes. Impedidos de publicar e de ensinar, os artistas que nasceram para a criação artística com o marxismo, a comuna de Paris e, sobretudo, a revolução popular na Rússia de 1917 foram considerados inimigos da imagem que o regime queria dar de si próprio e dos portugueses.
Com isso, nomes maiores da arte portuguesa ou feita em Portugal acabaram por ficar num segundo plano onde ainda hoje, nalguns casos, ainda estão confinados. Nomes como o de Afonso Ribeiro, quem conhece? Ou João José Cochofel ou Joaquim Namorado? Claro que Alves Redol, um dos mais completos escritores, Fernando Namora – em parte por causa da série televisiva Retalhos da Vida de um Médico – e parcialmente Carlos de Oliveira, por causa da poesia e do filme Uma Abelha na Chuva, chegarão a mais gente mas há um esquecimento que o Museu do Neorrealismo e o Jorge, em todas as ações públicas e com todas as pessoas que conhece, tenta dissipar. Como nesta sessão primeira da nova série do Clube dos Pinguins.

Quem é que se lembra de se oferecer para escrever os diálogos da quarta temporada de uma série de sucesso, a sério quem? E em isolamento, com a cabeça em água?

Seria curioso fazer esta sessão no campo, pegar em ferramentas e conversar sobre a vida, sobre o nosso dia-a-dia e encontrar aí a arte. Como o fez Alves Redol, como o fizeram os neorrealistas, os escritores, os pintores como o brasileiro Cândido Portinari, que quando veio a Portugal – por causa de um trabalho alinhado na Exposição do Mundo Português e a visão do Regime – foi ver a Lezíria, a terra do trabalho. E aí poderíamos perguntar ao Jorge, como Portinari perguntou a Mário Dionísio e Redol: “isto é tão bonito, os vossos pintores não pintam isto?”
Alguns sim. E pintavam o rosto do trabalho. E esculpiam, enquanto o deixaram José Dias Coelho - até ser assassinado. E desenhavam. E escreviam, como Soeiro Pereira Gomes que na Alhandra encontra os esteiros e as crianças que trabalhavam, explorados, os “filhos dos homens que nunca foram meninos”.  E até filmaram, o Manuel Guimarães – que por isso acabou na miséria – ou o Fernando Lopes, que com uma linguagem diferente filma, contudo, o Uma Abelha na Chuva – ou os italianos, mas isso é outra história. Ou levaram ao teatro, como Bernardo Santareno, ou a música maior de mestre Lopes Graça.

E é assim? Acabas assim? Sim. Tenho 8700 caracteres de notas que disponibilizo a quem quiser e o Paulo tem o vídeo no Zoom, é só pedir. E deixo uma música que sei que o Jorge gosta.