Lima de Freitas, gravura para o livro Olhos de Água de Alves Redol |
O que interessa é o conteúdo. A paixão, neste caso.
Tendo nascido em Vila Franca de Xira – um dos epicentros do neorrealismo – e vivido em S. Mamede de Infesta – onde está desde a juventude do Jorge a Casa-Museu Abel Salazar – pode dizer-se que é natural que esta paixão se desenvolvesse em alguém que se interessa pelas artes e pela cultura. Nesta jovem vida entre cidades (há nele uma paixão enorme por Lisboa, também), o Jorge descobriu um título que o podia descrever “Nasci com um passaporte de turista” aí pelos 14 anos, quando começou a ler – nas palavras dele –o livro o introduziu ao neorrealismo. Ainda no Porto.
Seguiram-se o “Gaibéus”, a descoberta do Carlos de Oliveira num poema da Antologia da Poesia Portuguesa do Eugénio de Andrade nas sessões de poesia do Pinguim.
Entretanto, em Vila Franca, onde ainda o ar guarda um cheirinho a domínio pela aristocracia rural, ao neorrealismo não era dado o destaque que o Jorge entendia que deveria ter, com a exceção do Museu do Neo-Realismo.
O fascínio ganhou, entretanto, contornos de paixão quando o Jorge deixou o Porto e, especialmente, o Pinguim. “O distanciamento fez-me perder vida cultural, tinha conversas que deixei de ter”, contou-nos, e no Museu do Neo-Realismo, com as suas publicações e exposições – “vi uma do Cunhal e fiquei doido com a capacidade de desenho de um homem que não tem formação em arte, a inteligência… e vi outras” – que motivaram a sua tentativa de sair do pelouro do turismo, onde trabalhava. “Consegui chegar ao Museu do Neo-Realismo”.
Rewind. Quem é que se oferece para escrever um post sobre a paixão de um grande amigo? Voluntarismo palerma!
Uma das coisas que aprendi com o Jorge nesta apresentação é que o neorrealismo só foi verdadeiramente conhecido depois do 25 de Abril, de tal forma foram perseguidos e censurados os seus representantes. Impedidos de publicar e de ensinar, os artistas que nasceram para a criação artística com o marxismo, a comuna de Paris e, sobretudo, a revolução popular na Rússia de 1917 foram considerados inimigos da imagem que o regime queria dar de si próprio e dos portugueses.
Com isso, nomes maiores da arte portuguesa ou feita em Portugal acabaram por ficar num segundo plano onde ainda hoje, nalguns casos, ainda estão confinados. Nomes como o de Afonso Ribeiro, quem conhece? Ou João José Cochofel ou Joaquim Namorado? Claro que Alves Redol, um dos mais completos escritores, Fernando Namora – em parte por causa da série televisiva Retalhos da Vida de um Médico – e parcialmente Carlos de Oliveira, por causa da poesia e do filme Uma Abelha na Chuva, chegarão a mais gente mas há um esquecimento que o Museu do Neorrealismo e o Jorge, em todas as ações públicas e com todas as pessoas que conhece, tenta dissipar. Como nesta sessão primeira da nova série do Clube dos Pinguins.
Quem é que se lembra de se oferecer para escrever os diálogos da quarta temporada de uma série de sucesso, a sério quem? E em isolamento, com a cabeça em água?
Seria curioso fazer esta sessão no campo, pegar em ferramentas e conversar sobre a vida, sobre o nosso dia-a-dia e encontrar aí a arte. Como o fez Alves Redol, como o fizeram os neorrealistas, os escritores, os pintores como o brasileiro Cândido Portinari, que quando veio a Portugal – por causa de um trabalho alinhado na Exposição do Mundo Português e a visão do Regime – foi ver a Lezíria, a terra do trabalho. E aí poderíamos perguntar ao Jorge, como Portinari perguntou a Mário Dionísio e Redol: “isto é tão bonito, os vossos pintores não pintam isto?”
Alguns sim. E pintavam o rosto do trabalho. E esculpiam, enquanto o deixaram José Dias Coelho - até ser assassinado. E desenhavam. E escreviam, como Soeiro Pereira Gomes que na Alhandra encontra os esteiros e as crianças que trabalhavam, explorados, os “filhos dos homens que nunca foram meninos”. E até filmaram, o Manuel Guimarães – que por isso acabou na miséria – ou o Fernando Lopes, que com uma linguagem diferente filma, contudo, o Uma Abelha na Chuva – ou os italianos, mas isso é outra história. Ou levaram ao teatro, como Bernardo Santareno, ou a música maior de mestre Lopes Graça.
E é assim? Acabas assim? Sim. Tenho 8700 caracteres de notas que disponibilizo a quem quiser e o Paulo tem o vídeo no Zoom, é só pedir. E deixo uma música que sei que o Jorge gosta.
2 comentários:
Isto é tudo de um nível (a sessão e o texto que tão bem a descreve) que quase me atrevia a alterar o nome do Clube para Clube dos Pinguins Imperadores. Bravo!
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