Fazíamos quilómetros a pé. Éramos magros e belos e sensíveis. Enfrascávamos álcool à medida das nossas ilusões, professávamos uma religião de amor à Arte, às artes todas, mesmo à de viver, mesmo à de dizer. Como todos os religiosos, tínhamos sessões do culto diariamente. Sozinhos e em grupo interagíamos com o ente superior. Havia cerimoniais também: os concertos – como os do Luís Armaestrondo, as exposições – sobretudo na Casa de Serralves – e os filmes do Lumiére e da Sala Bebé. O locais de culto iam variando, dependendo dos dias e dos missais. Um deles era especial. À segunda-feira, depois de emborcados os cafés e os finos, íamos resolutos a pé desde a Boavista a Belmonte (parando por vezes ali no Jardim das Virtudes para revigorar forças e ânimos – o nome do espaço diz tudo). Não havia hora marcada, ou se havia era ignorada, mas era rara a semana em que o grupo de confessos não descia à cave do Pinguim. Não me lembro hoje dos nomes dos evangelistas da poesia que ali celebravam o ritual de dizer poesia. Era-se poesia. Todas as semanas, naquela cave, respirava-se o divino porque se respirava a vida. Reitero que me esqueci do nome dos evangelistas que ali professavam, mas lembro-me que o Papa era Joaquim Castro Caldas. Vénia.
Hoje, o Rui Spranger e o Paulo decidiram celebrar os vinte anos de poesia na cave do Pinguim. Convidando o Joaquim. Obrigado.
Mais: a memória de Carlos Araújo Alves; a descoberta de poesias; "a maioria sentava-se no chão ou nos degraus da escadaria de acesso"; "um dos mais intensos animadores verbais das nossas noites";
1 comentário:
Fil, o teu post está muito bonito e emocionou-me bastante. Infelizmente não conheci o Pinguim nessa altura, mas é bom poder ler um pouco estas memórias de um tempo tão especial.
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