terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Uma mentira grosseira

Lembro-me muito bem de ter ido ao cinema ao Foco, ao Nun'Alvares, à Casa das Artes, ao Charlot, ao Pedro Cem, ao Lumiére, ao Trindade, ao Terço, ao Passos Manuel, ao Coliseu, ao Batalha, à Sala Bebé, ao S. João,ao Águia d'Ouro, ao Carlos Alberto, ao Rivoli e ao Stop (nunca fui ao Júlio Dinis, ao Estúdio 111, ao Olimpia nem ao Sá da Bandeira). Lembro-me das Noites Duplas do Coliseu (dois filmes ao preço de um todas as quintas-feiras) , das sessões do Cine-clube no Carlos Alberto e das sessões especiais organizadas no Instituto Francês do Porto com a presença dos realizadores. Via-se cinema europeu e americano para todos os gostos e tinha-se a oportunidade de rever filmes mais antigos. Havia o video, havia os intervalos, havia chocolates caríssimos e não havia pipocas, mas ia-se ao cinema. A seguir ao intervalo, tentava-se comer o chocolate fazendo o esforço impossível de não se fazer barulho para não incomodar os outros espectadores e, quando não se gostava do filme, saíamos discretamente.
E tínhamos o Fantasporto, um festival alternativo com sessões que se prolongavam até de madrugada.
Felizmente ainda temos o Fantasporto, mais comercial, menos alternativo, mas continua a ser o Fantasporto. Ainda não perdemos tudo e fico feliz por isso.
Mas o que me leva a escrever este post é uma dúvida. Quando na tenda que instalaram na Praça D. João I para colocar a passadeira vermelha e nos programas do festival se lê "Cidade do Cinema" estão a querer dizer que o Fantasporto é uma cidade, ou que o Porto é a cidade do cinema?
A interpretação mais obvia é a segunda e, assistimos aqui a uma falta de pudor politíco incrível e a uma mentira grosseira.
Ou estaria a tenda para ser montada em Gaia?
Blair e Bush criaram a "mentira de destruição massiva", será que aqui se quer criar a "mentira de destruição cultural"? Sim, porque defender-se publicamente que temos o que não temos é uma boa forma de se tentar enganar as massas e tentar apagar a memória.
Eu não deixo que apaguem a minha!

10 comentários:

Cláudia S. disse...

Quanto à tenda ser montada em Gaia não me parece, pois a ideia é pensar-se já no futuro...que poderá estar relacionado com a câmara do Porto...2009 já está aí à porta, e tudo é feito hoje em dia a pensar já nisso.

Rui Spranger disse...

Quando falei em Gaia estava a ser irónico. É que mesmo com o acréscimo de salas de cinema que o Fantas dá ao Porto (as duas do Rivoli e o Sá da Bandeira) continuam a ser menos do que as de Gaia.

Anónimo disse...

Bem, concordo com o mal estar geral do texto, mas os argumentos não fazem sentido.
Em primeiro lugar isto é mais um post a tentar cascar no Rui Rio por birra. Não estou aqui a defender o senhor nem coisa que se pareça. A verdade é que agora se um gajo cagar na rua a culpa é do Rio.
É claro que vão pôr uma placa a dizer cidade do cinema. O Fantas é um festival que trás gente de todo o mundo. O Rui Spranger acha que a honestidade de Rio passaria por pôr um cartaz a dizer «sou um péssimo presidente e o cinema nesta cidade é uma merda».
Pois mesmo assim, Rui, não seria verdade. Porque se tu reparares as pesosas não se importam com as pipocas e até preferem ter onde estacionar o carro de borla.
O que matou o cinema foram os shoppings porque o público preferiu os shoppings confortáveis aos bancos desconfortáveis e aos filmes franceses dos anos 60.
É tudo muito bonito mas as coisas custam dinheiro. A não ser que tu queiras pegar num dos cinemas e começas a passar filmes do Eisenstein e do Vertov porque isso é que é cinema.
Estás a falar de um nicho cada vez mais pequeno. Tão pequeno que provavelmente nem dá para pagar a conta da luz. Quem foi ao Nun'Alvares nos últimos 6 anos sabe que não estou a mentir.
O Fantas continua a ser um festival altenativo. Há sempre pelo menos um filme que vai para o circuito comercial, mas de resto não vejo os filmes da Nova Zelândia no circuito comercial ou da Alemanha.
É fácil colocar as culpas no Presidente da Câmara, principalmente quando não se gosta dele e tenta-se por tudo apanhá-lo com as calças na mão.
Esta argumentação é disparatada. Tão disparatada que acaba por fazer uma comparação que tenta ter piada mas que é muito infeliz.
Infeliz porque é o reflexo de dois ódios primários: a Bush/Blair (é melhor odiar 2 do que um, dá mais convicção à causa) e a Rio.
Foi o progresso que matou a cultura. A oferta do «take away». Os home cinemas, os cinemas com 20 salas.
Claro que tu agora vens com o argumento do «sim! mas o Rio não está isento de culpas» e depois falas no La Feria e como era bonito o Porto há 15 anos e recordar é viver. Tudo muito bem!
Mas quando fores contra-argumentar não te esuqeças que o meu comentário é sobre as salas de cinema e não sobre o La Feria e sobre os outros espectáculos.
Eu também gostava de ter mais diversidade cultural, mas isso custa dinheiro.
Já agora, quantas vezes já foste ver concertos, workshops e ensaios na Casa da Música?

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
FPM disse...

Gostei do retrato, reconheci-o como meu tb (aliás, adorei escrever este texto, parecido nas memórias).

Quanto ao resto, é simples PUB: como a cidade de ciência, a cidade da língua...

(confirma se os acentos estão bem)

Rui Spranger disse...

Filinto, o texto é delicioso. Trazem saudades.

Jorge, o conformismo fica-te bem!
O facto de ser apenas publicidade, o facto de terem sido os shoppings a matarem o cinema, o facto de nunca politicamente ninguém ter querido salvar pelo menos uma ou duas (a cinemateca de Lisboa dá lucro seguramente), nao me obrigam a aceitar a realidade e ficar calado.
Eu nao falo em Rui Rio, tu é que falas. Trata-se de pudor apenas. Eu nao me sinto feliz por ver um Porto cada vez mais provinciano (a lembrar os tempos do Camilo Castelo Branco), mais triste, mais desinteressado, sem gente na rua.
Claro que os responsáveis políticos também teem culpa e, como falaste nele, ele tem muita culpa. Mas nao é só ele. Sao os autarcas e governates todos.
Agora, permite-me dizer uma coisa que acho que deves aprender para interpretares mais correctamente os textos que les.
Uma coisa é o que está escrito, outra sao os conhecimentos prévios e gerais que tens acerca das opinioes de uma determinada pessoa. Depois misturas tudo e tentas por tudo no mesmo saco. Acabas sempre por perder alguma objectividade na tua capacidade de "escuta" e entendimento.

Para terminar e para te alimentar o ego e a tua autoridade moral, nunca fui a um concerto, ensaios ou workshops na Casa da Música.
Em todo o caso, creio que falávamos de cinema.

Rui Spranger disse...

Obrigado Filinto pela correccao dos acentos.

Anónimo disse...

Em primeiro lugar eu não estou conformado. Como disse na peimeira frase do meu comentário partilho o mal estar do texto.
Em segundo lugar eu subentendi que falavas no Rui Rio porque tem sido esse o pretexto de vários posts teus NESTE BLOG (pelo menos na saudosa altura em que se discutia na caixa de comentários).
É evidente que tiro partido de algumas conversas que temos pessoalmente, mas acho que também não andamos aqui a brincar aos desconhecidos.
Tento, por regra, ser o mais objectivo possível, cinjindo-me ao texto. Neste caso também me baseei em textos passados.

Por último devo dizer que a minha pergunta era uma trick question e que tu muito cordialmente respondeste com verdade. outra coisa não seria de esperar - um dos factos que nos une em amizade e por isso: Saravá!
Se há culpa na falta de diversidade ela está a 50% na displicência dos públicos.
Nós não somos excepção. Também somos culpados.

Anónimo disse...

Adenda ao comentário anterior:

É claro que Rio tem a sua quota parte de responsabilidade. Ele, o seu antecessor, o Estado Central, os agentes culturais, etc. etc.

Rui Spranger disse...

A forma acintosa com que escrevi deve-se ao facto de teres subentendido mal. Toda a gente sabe que nao sou fa do Rui Rio, ou melhor, da política dele. Mas nao lhe tenho um ódio visceral que me leve a estar sempre e só a criticá-lo. Nao estou de acordo novamente com ele no que se refere ao Bolhao e tenho participado em algumas accoes cívicas, mas nao escrevi nada sobre o assunto. Até porque já estou um pouco farto de falar do senhor.
O meu post foi mais um desabafo. Claro que há uma crítica política e cultural implicíta que vai tanto para a Camara Municipal como para o próprio Fantas, que no meu entender perdeu algumas das carecterísticas do passado e, que neste caso acaba por alinhar nesta publicidade.
Mas mais do que uma crítica directa, pretendi sim falar do esvaziamento cinéfilo da cidade. Quanto à mentira e à comparacao, tem a haver com o facto de hoje os políticos assumirem-nas descaradamente e sem qualquer reflexao sobre elas. Tornaram-se o modus vivendi dos governates.
Ontem revi o "Sunday Bloody Sunday" onde também a mentira tentou encobrir um massacre. Vinte e tal anos depois, a Sétima Arte irlandesa continua a denunciar e a nao deixar esquecer as mentiras.

O Fantasporto é tudo o que sobreviveu de uma cultura cinéfila que realmente existiu no Porto e da qual tenho imensas saudades.

Um abraco