quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Pernas, para que vos quero: Coupling, humor britânico, e a essência de Jeff em cada um de nós

Quem nunca sonhou em ter um grupo de amigos? Quem é que não gostaria de se sentir suportado nas suas desaventuras por pessoas que nos acompanham desde sempre, ou desde cedo? Quem é que nunca mentiu sobre o número de pernas que... esperem, adianto-me, voltemos ao princípio.

No dia 31 de julho a Olga presenteou-nos com uma sessão apropriada à data, o bem sabido melhor dia para casar, como reza a lenda (sendo essa o Quim Barreiros). Inicialmente, procurou inflamar os ânimos dos demais, revelando que iríamos ver episódios de uma série, por nota sua favorita, e que faria os Friends parecerem amigos de infantário; ela não verbalizou exatamente desta forma, mas senti-o nas suas palavras. 

Introduziu-nos o título, Coupling, uma série britânica que se manteve no ar entre 2000 e 2004. Diriam agora, vocês, leitores suspeitos e céticos, que Friends durou 10 anos a terminar, e que por simples aritmética seria superior em qualidade e quantidade. Aqui, justificamos a origem do fim, por assim dizer: um dos potenciais motivos do término antecipado desta brilhante sitcom terá sido a escolha de um dos atores em não dar seguimento à sua personagem, por medo de ficar a ela eternamente associado. De agora em diante, este ator não terá nome, e será apenas conhecido por Jeff, vingança mesquinha à qual temos direito. Para além disto, e como Coupling bem nos ensina, às vezes ter a mais nem sempre é sinal de prosperidade: seja essa abundância em termos de temporadas, apelo ao mainstream, ou número de membros do corpo.

O que se seguiu no decorrer da sessão foram dois brilhantes episódios de televisão e, mais especificamente, de humor britânico, que nos transportaram para Londres, experienciada pelas peripécias deste grupo insólito de 6 amigos unidos por um fio comum: a sua propensão, ou necessidade quase compulsiva, ou possivelmente tédio existencial que os levava a terem como foco das suas vidas e conversas o tema dos relacionamentos. E do sexo. As pessoas gostam, gostaram, e imagino que gostarão de falar desse tópico, por ser algo que toca a todos, passando a expressão provocadora.

[DISCLAIMER]: as opiniões que se seguem são fruto da visão idiossincrática do autor, baseadas na breve exposição que teve à série em questão. Não refletem as opiniões dos restantes elementos do clube, nem a tal almejam.


O grupo, personagem principal, é constituído por 6 membros (às vezes, mais membros é algo bom, mas nem sempre): Steve e Susan, o casal que se mostrou mais preocupado em conhecer relacionamentos alheios do que em solucionar os problemas acumulados ao seu próprio, ao ponto de se terem passado por franceses e australianos não numa tentativa de apimentar a vida, mas de esconderem um ao outro as inseguranças quasinevitáveis a qualquer relação duradoura; Jane, que surge do mesmo sangue, da mesma essência, do mesmo arquétipo de mulher despachada, segura de si, orgulhosamente sexual que informou outras personagens como Samantha Jones de Sex and the City, comparação que não consegui deixar de tecer durante os episódios, e que se tornará auto-evidente quando tu, leitor, te debruçares sobre ambas as séries em questão; Patrick, o mulherengo inevitável numa sitcom focada em relacionamentos, e que utiliza a sua sabedoria e, de certa forma, a sua arte para tentar encaminhar os seus amigos e amigas, embora o caminho seja sempre o mesmo, e o resultado também - sexo descomprometido; Sally, que se mostrava insistente em estar em relacionamentos, não pelo prazer e companhia que derivaria destes, mas antes porque precisa de um projeto com o qual se entreter, e nada melhor que um homem, pedaço de mármore por esculpir e que tanta resistência mostra a esse processo (estaria melhor servida com um hobby, mas quem sou eu para julgar); e, por fim, Jeff.

A Jeff dedico um novo parágrafo. A Jeff devemos muita coisa, nem que seja um episódio inteiro em que se fingiu amputado para conseguir a nuca dos seus sonhos, quer dizer a perna dos seus sonhos, quer dizer a mulher dos seus sonhos. Jeff, que se demonstrou pronto a saltar em frente ao proverbial comboio em andamento numa tentativa de salvar o seu amigo, dizendo que SIM, ELE MESMO seria Dick Darlington num mundo de Giselles (isto fará mais sentido depois de verem o episódio mas para quem o viu vai ter piada, confiem). Jeff, com a sua cara meio pálida à luz do projetor, com o seu jeito por um lado nervoso, por outro plenamente seguro de si como acontece muitas vezes a quem sente uma corrente de ar por entre os ouvidos, Jeff, este anjo caído não por pecado mas porque certamente tropeçou numa nuvem, representa o que todos nós somos a algum nível: pessoas à procura de pessoas, por vezes de formas tão intensas que nos esquecemos do nosso corpo, que nos esquecemos que temos um corpo, que nos esquecemos que o nosso corpo afinal está melhor do que o esperado e que não vamos conseguir dar mais de nós porque, literalmente, temos a mais para dar. Atire a primeira pedra quem nunca fingiu ser amputado para engatar uma pessoa.

Que isto desperte em vós a curiosidade para darem a esta série a oportunidade que merece. Eu sei que vou ver os restantes episódios de forma semi-compulsiva, sobretudo porque tenho um forte ponto fraco por humor britânico.

E lembrem-se, como diz Mateus, 19:24, numa versão da Bíblia que já não está em circulação: mais fácil é a um camelo passar pelo olho de uma agulha, do que um homem de duas pernas entrar pelas portas do paraíso. 

Pernas, para que vos quero, quando uma me bastava para ser feliz. Um bem haja, e até uma próxima!

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