quinta-feira, 23 de maio de 2024

Um Pequeno Passo Para O Peregrino, Um Grande Passo Para o Cético

 Por esta altura, já se estarão a intrigar: "Mas porque raio esta Márcia tem de escolher títulos tão  desmesurados nos caracteres?". Eu sei amigos, perdoem-me a emoção não contida e palavrosa mas desta vez apoiar-me-ei na justificação de que o nosso queridíssimo Hugo dividiu a sua sessão em duas. Ora, o que é o dobro em exposição, poderá também sê-lo em transcrição. Feito este inútil preâmbulo, passemos ao que nos traz a esta leitura que, não, não é sobre mim (bem lembrado!). 

No passado dia 16 de maio, a cave pinguina converteu-se numa pequena e catita exposição com fotografias acompanhadas de descrições que se vislumbravam desde as paredes, aos bancos onde também se apoiavam, inundado o espaço de uma partilha e sapiência agora material. 

Essa instalação gênero "anti-museu", onde as peças são o mote para chegar a um testemunho pessoal e a vivas cores, foi o mote para contar cada uma das histórias que o Hugo ali tinha representadas em recorte. Curioso. Lembro-me como se de há uma semana se tratasse. O Hugo dizia "Quando expus estas fotografias pela primeira vez, um indivíduo queria comprar-me uma por 50 euros e leva-la no momento.". E assim recordamo-nos de que o valor do tempo se sobrepõem ao outro. Respeite-se a respiração da arte para inundar ainda mais olhos!

A primeira sessão sobre os "Caminhos de Santiago" foi uma alegre e viva partilha de histórias, acontecimentos, coincidências e revelações que o Hugo prontamente guiou, qual peregrino errático.

A coincidência mais particular e bonita que nos fez chegar teve como protagonista uma libelinha. Para quem não esteve, não revelarei demais. Há histórias que nos fazem ter que estar nos lugares. Acrescentarei apenas que quando encontrarem a vossa libelinha em repouso, como se vos recebesse, saberão que o Caminho segue em bom vento. Estarão prontos. 

Mas afinal o que é isto do Caminho? Um passeio? Um cumprir de um objetivo? Uma vã tentativa de deixar o sedentarismo? 

Na segunda parte desta bonita sessão, dia 22 de maio, abreviamos caminho mas fizemo-lo juntamente com quatro amigos que se aventuravam pela primeira vez nesses percursos. Foi através do filme The Way, de Emilio Estevez, que este feito se concretizou e, durante duas horas, vivemos os desafios, as alegrias, as inquietações e as vitórias de cada uma das personagens. 

Cada um destes quatro protagonistas tinha uma meta diferente, um objetivo decorado a quem lhes perguntavam como se matéria de conhecimento público se tratasse. Mas os caminhos do Caminho são misteriosos e, no final, percebemos que esses sonhos que lhes boiavam na língua não eram os mesmos que surgiram revelados ao chegar à meta final. A verdade é que ninguém sabe porque percorre o Caminho até o fazer. E é no final que nos inteiramos de que o finalizar é, simbolicamente, morrer, já que o tesouro é a própria viagem que só se descobre quando o que sobra são as histórias, as amizades, as reflexões, as perspetivas, os milagres. 

"A vida não se escolhe, vive-se". Talvez a escolha seja viver e a vida a sua consequência. Seja como for, considero que a experiência dupla a que o Hugo nos proporcionou, nos moldou os olhos, a mente e a alma, para mais uma forma de nos transcendermos e sermos maiores do que os dogmas a que nos fomos habituando para não ir. Viver não é preciso, Caminhar é que é preciso!

quinta-feira, 2 de maio de 2024

A banalização do Gral: O Diabo veste Nada!

 No dia 1 de maio, quarta-feira apetecível entre portas e cave já que a chuva dançava pela cidade fora, percebemos uma vontade coletiva de preencher o final de feriado com a partilha habitual (mas jamais previsível!). 

Desta vez, João Leite (doravante JL) trouxe-nos uma proposta diferente da sua inicial. Ao invés de uma exposição a viva voz, apoiada por uma apresentação refinada e com elementos ilustrativos da personalidade do próprio: humorística e cáustica, leia-se, fomos surpreendidos com um tópico mais sensível aos portadores de coração. 

Enquanto aguardávamos o início da exposição de JL, erámos prendados com a sua playlist possível a que já nos afeiçoamos. A música para. Faz-se silêncio.  JL, que nem ator sem texto mas com palavras para dizer, começa a sua exposição sob uma luz tímida que o empalidecia a ele e a um banco de madeira. O espetáculo começou com um presságio: o breu é mais forte do que a luz. 

JL começou por descrever um facto histórico com localização geográfica específica. Segue-se: 

O massacre na Indonésia de 1965-1966 refere-se ao movimento anticomunista e  ao assassinato em grande escala subsequentes à tentativa mal sucedida de golpe de Estado por parte do Movimento 30 de Setembro, na Indonésia.

Segundo as estatísticas, mais de um milhão de pessoas foram mortas. Segundo alguns, tratou-se de um genocídio; segundo outros, foi uma limpeza política.

Após recebermos este pedaço de informação dramática, gostaríamos de poder abanar a cabeça e fazer evaporar esta imagem difusa para nunca mais a recuperar. Contudo, as duas horas seguintes impediram-nos de querer largar a história que prova que entre o "ser" e o "não ser", incluímo-nos mais nos "não-ser humanos". 

Vimos então o documentário The Act Of Killing realizado por Joshua Oppenheimer e por Christine Cynn em 2012. Duas horas em que a cave que nos traz sempre o melhor da palavra, da voz, da guitarra, do outro, só conseguiu ouvir o ranger dos dentes ao assistir a tal horror. 

Com isto, JL provou-nos que a sua paixão por pessoas é democrática e indiferenciada: vale a pena investigar a origem dos maiores horrores, para entender que até essas pessoas se gratificam por crer estar do lado certo da história. Perceber-nos no nosso pior para prevenir a antevisão do caos que se pode instaurar quando muitos pensam na mesma direção sem se questionar. 

Afinal, tal como JL dizia, "não são monstros, são pessoas". E é exatamente essa a premissa que sempre me fascinara também. Saber que num contexto e condições específicas também eu podia ser uma agente ativa a contribuir para um massacre. O que nos diferencia? Tempo, espaço, biologia, influências, mas, mais importante: a exposição.

Quando expostos a uma certa "verdade" por todas as vias, durante tempo indeterminado, o nosso cérebro é moldado ao ponto de criar pontos de tensão e de repulsa ao ouvir soar certas palavras, como sob um efeito Pavloviano.

Ouvimos: "Deus não gosta de comunistas". Mas teimo em acreditar que a culpa reside em Moisés que, por acidente, esculpiu mal a pedra sagrada quando queria de facto escrever "Deus não gosta de artistas". E é legítimo. Ainda não existia o Pinguim!


JL, manda vir mais, mas desta vez, queremos a garantia de uma consulta grátis no final. 👀