avisam-se todas as polícias
fugiu um homem
tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente
atenção
supõem-se que é perigoso
sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços
atenção
GOSTA DE TREMOÇOS
repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta
atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso
os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida
insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade
atenção
em liberdade
delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência
todo o cuidado é pouco
consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensas
atenção
anda pelo país um homem
livre
não se sabe o que fará
exige-se
a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente
atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência
repete-se o apelo
ATIREM A MATAR
NADA DE PERGUNTAS
in, Novos contos do Gin de Mário-Henrique Leiria
4 comentários:
O meu amigo Zé Moreira, actor que admiro não só como tal mas também como pessoa, fez os Contos do Gin Tónico e , se aquela coisa em que ele não acredita, que é Deus, quiser, voltará a fazer.
O Mario Henrique é um personagem fantástico, um homem de uma capacidade intelectual invulgar cujo nome soa estranho à grande parte dos tripulantes da jangada de pedra. Para além dos Contos, tem uma obra interessantissima intitulada «Aguenta Rapaz».
Obrigado Tó por esta maravilhosa surpresa. Talvez fiquem intrigados como poderei eu adorar um esquerdonga como este, mas como dizia Oscar Wilde a arte é o Belo, não a imitação da Vida.
P.S. Que provocação nos 100 anos do Professor Marcelo. Depois ajustamos contas.
é sem duvida lindissimo este poema (ainda por cima inspirado num dos mais belos poemas jamais feitos em Portugal, " a invenção do amor" de Daniel Filipe). Claro que é mais do que estético, é pleno de sentido e inquietante.
Será que o Tó se recordou dele depois de ler o post sobre o Marcelo Caetano ou após a foto do Fidel Castro.
Diluindo dicotomias esquerda/direita, as atrocidades encontram-se de ambos os lados da barreira.
não conhecia o poeta nem o poema mas parece que foi escrito hoje sem tempo nem espaço,os homens livres devem ser capazes de caminhar e comer tremoços e arrotar e cagar e tudo o mais acabado em ar e er.
p.s.-parabéns aos três ilustres resistentes destes dias no blog querido do clube dos pinguins:TÒ,Jorge(o general sem medo) e o Rui Vieira
Muitos parabéns Tó por esta relíquia. É realmente um poema intemporal, cheio de loucura e fúria, mas que não deixa de nos pôr a pensar. Obrigado por esta partilha. Excelente escolha. ;)
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