domingo, 16 de abril de 2006

QUEM SABE

Importas-te muito que Deus exista?
Importas-te muito que uma névoa te desenhe o destino?
Que as tuas orações necessitem de um interlocutor?
Que o grande criador possa ser o grande injusto?
Que os torturadores possam ser filhos de Deus?
Que se tenha que amar a Deus sobre todas as coisas e não sobre os próximos e próximas?
Já pensaste que amar o Deus intangível produz um sofrimento tangível e que amar um corpo de rapariga que se pode tocar produz em troca um prazer quase infinito?
Por acaso acreditar em Deus apaga-te o prazer humano?
Terá Deus sentido prazer ao criar Eva?
Terá Adão sentido prazer quando inventou Deus?
Por acaso Deus ajuda-te quando o teu corpo sofre?
Ou não é sequer uma anestesia fiável?
Importas-te que Deus exista? Ou não?
A sua não existência será para ti uma catástrofe mais terrível que a morte pura e dura?
Importar-te-á descobrir que Deus existe mas que está imerso no centro de nada?
Importar-te-á que desde o centro de nada se ignore tudo e em consequência nada conte?
Importar-te – ia a presunção de que se bem tu existas Deus quem sabe?


MÁRIO BENEDETTI

3 comentários:

Rui Vieira disse...

Entre os apaixonados das noites de poesia este autor dispensa apresentações. Mas as suas interrogações fazem todo o sentido.
Grande estreia, Cláudia ;)

Rui Vieira disse...

as noites de poesia que me referia são naturalmente as do Pinguim... muito em especial quando honradas com a presença do Élio.

António Manuel Rodrigues disse...

Não me importa que queiram matar Deus, mas importar-me-ia se quisessem matar a poesia ou Deus dentro de mim...