quinta-feira, 2 de maio de 2024

A banalização do Gral: O Diabo veste Nada!

 No dia 1 de maio, quarta-feira apetecível entre portas e cave já que a chuva dançava pela cidade fora, percebemos uma vontade coletiva de preencher o final de feriado com a partilha habitual (mas jamais previsível!). 

Desta vez, João Leite (doravante JL) trouxe-nos uma proposta diferente da sua inicial. Ao invés de uma exposição a viva voz, apoiada por uma apresentação refinada e com elementos ilustrativos da personalidade do próprio: humorística e cáustica, leia-se, fomos surpreendidos com um tópico mais sensível aos portadores de coração. 

Enquanto aguardávamos o início da exposição de JL, erámos prendados com a sua playlist possível a que já nos afeiçoamos. A música para. Faz-se silêncio.  JL, que nem ator sem texto mas com palavras para dizer, começa a sua exposição sob uma luz tímida que o empalidecia a ele e a um banco de madeira. O espetáculo começou com um presságio: o breu é mais forte do que a luz. 

JL começou por descrever um facto histórico com localização geográfica específica. Segue-se: 

O massacre na Indonésia de 1965-1966 refere-se ao movimento anticomunista e  ao assassinato em grande escala subsequentes à tentativa mal sucedida de golpe de Estado por parte do Movimento 30 de Setembro, na Indonésia.

Segundo as estatísticas, mais de um milhão de pessoas foram mortas. Segundo alguns, tratou-se de um genocídio; segundo outros, foi uma limpeza política.

Após recebermos este pedaço de informação dramática, gostaríamos de poder abanar a cabeça e fazer evaporar esta imagem difusa para nunca mais a recuperar. Contudo, as duas horas seguintes impediram-nos de querer largar a história que prova que entre o "ser" e o "não ser", incluímo-nos mais nos "não-ser humanos". 

Vimos então o documentário The Act Of Killing realizado por Joshua Oppenheimer e por Christine Cynn em 2012. Duas horas em que a cave que nos traz sempre o melhor da palavra, da voz, da guitarra, do outro, só conseguiu ouvir o ranger dos dentes ao assistir a tal horror. 

Com isto, JL provou-nos que a sua paixão por pessoas é democrática e indiferenciada: vale a pena investigar a origem dos maiores horrores, para entender que até essas pessoas se gratificam por crer estar do lado certo da história. Perceber-nos no nosso pior para prevenir a antevisão do caos que se pode instaurar quando muitos pensam na mesma direção sem se questionar. 

Afinal, tal como JL dizia, "não são monstros, são pessoas". E é exatamente essa a premissa que sempre me fascinara também. Saber que num contexto e condições específicas também eu podia ser uma agente ativa a contribuir para um massacre. O que nos diferencia? Tempo, espaço, biologia, influências, mas, mais importante: a exposição.

Quando expostos a uma certa "verdade" por todas as vias, durante tempo indeterminado, o nosso cérebro é moldado ao ponto de criar pontos de tensão e de repulsa ao ouvir soar certas palavras, como sob um efeito Pavloviano.

Ouvimos: "Deus não gosta de comunistas". Mas teimo em acreditar que a culpa reside em Moisés que, por acidente, esculpiu mal a pedra sagrada quando queria de facto escrever "Deus não gosta de artistas". E é legítimo. Ainda não existia o Pinguim!


JL, manda vir mais, mas desta vez, queremos a garantia de uma consulta grátis no final. 👀



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